Mídia
Dilma percebeu que a mídia interferiu nas eleições, diz Laurindo Leal
Em
em entrevista ao portal Sul21, o sociólogo e jornalista, Laurindo Leal
Filho falou sobre as perspectivas para a democratização da mídia nos
próximos anos, comenta as experiências em outros países e avalia o
funcionamento do modelo de comunicação pública no Brasil e na América
Latina. Segue abaixo a íntegra da entrevista:
Em entrevista ao Sul21,
Laurindo Lalo Leal Filho fala sobre as perspectivas para o tema nos
próximos anos, comenta as experiências em outros países e avalia o
funcionamento do modelo de comunicação pública no Brasil e na América
Latina.
O sociólogo e jornalista Laurindo Lalo Leal Filho tem sua vida
profissional e acadêmica ligada à televisão – tanto em sua prática
quanto em seus estudos. Com passagem pela Globo e pela TV Cultura, o
professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP acredita
que, neste segundo mandato, a presidenta Dilma Rousseff irá levar
adiante a pauta da democratização da mídia.Sul21: Como o senhor avalia o tratamento dado pelo primeiro mandato do governo Dilma Rousseff à questão da democratização da mídia?
Laurindo Lalo Leal Filho: Havia uma expectativa de que o anteprojeto de lei elaborado na gestão do ministro Franklin Martins na Secretaria de Comunicação Social fosse colocado em discussão na sociedade. Infelizmente não tivemos nenhum tipo de abertura para esse debate. Outras prioridades foram colocadas pelo Ministério das Comunicações, não se tem nem clareza de onde parou esse projeto do Franklin. Há informações esparsas que ele estaria no Ministério das Comunicações. Infelizmente, se repetiu um procedimento que já vem se tornando rotina em relação a essa questão na área do Executivo brasileiro. Desde a aprovação da Constituição em 1988 até hoje, já foram elaborados 19 projetos sobre regulamentação da mídia no Executivo e nenhum deles foi colocado abertamente em debate na sociedade para depois ser enviado ao Congresso Nacional. Essa pratica de não levar à sociedade esse debate vem se mantendo até hoje. Os governos têm uma dificuldade muito grande de enfrentar politicamente os empresários da comunicação, cujos integrantes estão no Congresso Nacional. Eles temem que, ao levarem em frente esse debate, possam sofrer represálias muito fortes da mídia. Uma situação que eu chamei em um artigo que publiquei na Carta Maior de “a síndrome do Jango”. Aquela articulação da mídia, que colaborou decisivamente para o golpe que derrubou o presidente João Goulart, ainda paira no imaginário dos governos brasileiros, que se sentem inibidos de enfrentar esse poder midiático concentrado, que continua tendo uma força muito grande no Brasil.
Como o senhor projeta que será o segundo mandato da presidenta em relação a essa pauta?
O jogo bruto imposto pela mídia na ultima campanha eleitoral acendeu uma luz de atenção na própria presidenta da Republica. Ela percebeu que a mídia interferiu na eleição e isso compromete a democracia. O sinal foi dado quando ela deu aquela resposta bastante forte e incisiva, na sexta-feira que antecedeu a eleição, àquela capa maldosa da revista Veja, que tentou interferir no jogo eleitoral até o ultimo momento. A partir de um determinado momento, já em um processo eleitoral, Dilma já tinha revelando disposição em começar a discutir o que ela chama de “regulação econômica da mídia”. É um grande avanço, porque mostra que pela primeira vez ela tem uma percepção de que alguma coisa precisa ser feita – até então ela não vinha demonstrando isso, todos os sinais que ela dava era de que cabia simplesmente ao mercado a regulação.
O que significa esse avanço?
Quando ela fala em regulação econômica da mídia, isso avança até o debate em torno dos monopólios e oligopólios. Acredito que devemos confiar nessa disposição da presidenta em realmente discutir a questão dos oligopólios e monopólios. Minha expectativa é de que a referência para essa regulação econômica seja, no mínimo, aquela que já está em vigor na Argentina. Estamos falando de mídia eletrônica, não tem nada a ver com a mídia impressa. Estamos falando em redefinir o uso do espectro eletromagnético, por onde circulam as ondas de rádio e televisão, dividindo esse espectro em três partes iguais, onde as emissoras privadas teriam espaço semelhante ao das públicas e das públicas sem fins lucrativos. Esse é o ponto de partida para a discussão. A partir daí, vamos estar mexendo com estes grandes conglomerados de mídia que existem no Brasil e vamos passar da mídia eletrônica também para a mídia impressa. É necessário estabelecer também regulação econômica, no sentido de romper com a propriedade cruzada. É necessário a criação de mecanismos que impeçam, por exemplo, como ocorre nos Estados Unidos, que um grupo determinado tenha na mesma cidade o principal jornal, a principal emissora de rádio e a principal emissora de televisão. Mas temos que ir além na regulação. Se quisermos democratizar mesmo a mídia será necessário não temer a discussão sobre a regulação de conteúdo também. Como diz a Constituição, temos que ter órgãos reguladores para defender o público do que é emitido. Tem a questão da classificação indicativa, que não pode ter retrocesso. A própria Constituição mostra que a regulação econômica é um ponto importante, mas ela não é o limite da regulação da mídia.
Como fica a expectativa para o anúncio do próximo ministro das Comunicações? Os movimentos sociais pela democratização da mídia não poupam críticas ao Paulo Bernardo.
Apesar de ter sido muito cobrado a esse respeito por vários grupos da sociedade, ele não levou a questão adiante em nenhum momento. Ele recebeu esses grupos algumas vezes e sempre as respostas foram protelatórias.
Passaram-se quatro anos e não foi feito nada. A expectativa é que tenhamos um ministro que tenha a clareza da importância política e econômica da regulação da mídia e a vontade política de executá-la.
Por que o tema da regulamentação da mídia avançou tanto em outros países do continente, mas continua emperrado no Brasil?
Principalmente na Argentina, no Equador, na Venezuela – e agora no Uruguai – esse debate sempre foi impulsionado pelos governos. Os governos tomam a iniciativa, porque é um tema que tem uma dificuldade de ser assimilado pela sociedade. Não é como temas de políticas públicas que são mais sentidas no cotidiano das pessoas, como saúde, educação e previdência. As pessoas saem às ruas quando o posto de saúde não as atende e quando a escola é ruim. É preciso um processo de politização mais profundo para sair às ruas defender democratização da comunicação. E a origem desse processo tem que estar no Estado, porque não há outro ente capaz de impulsionar esse debate. Isso foi feito com muita competência na Argentina. O governo se articulou com as universidades, com várias organizações sociais, foi politizando essa questão ao longo de muito tempo e ao final conseguiu colocar pessoas nas ruas defendendo a necessidade da regulação e da quebra dos monopólios. Aqui nós nunca tivemos esse processo.
O que é preciso para que esse processo ocorra no Brasil?
Precisamos ter dois mecanismos, caso o governo tenha realmente como meta a regulação da comunicação: um é estabelecer parâmetros, medidas, processos e metas; outro é fazer um trabalho pedagógico, mostrando para a sociedade como a falta de uma mídia democrática incide sobre o seu dia a dia, sobre suas decisões políticas, econômicas e culturais. Os governos na América Latina fizeram isso, impulsionaram e avançaram. Aqui nunca houve isso. E temos como agravante o fato de que a televisão ainda é o principal meio de informação da população brasileira. Ela esconde o fato de que as emissoras são concessões públicas. Mais do que isso, tivemos no Brasil a construção de uma mídia eletrônica – rádio e televisão – sempre calcada no modelo comercial, sem nunca termos tido a possibilidade da escolha em relação a um modelo público. Criou-se uma ideia na sociedade brasileira de que é assim que funciona. Isso inibe qualquer tipo de critica. Não se estabeleceu no Brasil a pratica da critica aos meios, por uma questão cultural que tem como base o modelo econômico adotado. Na Europa foi ao contrário: o rádio e a televisão surgiram como meios públicos, só depois surgiram os privados e os comerciais. Quando eles chegaram a população já conhecia um tipo de serviço de qualidade, aos quais os meios comerciais tinham que se adaptar. Aqui não tivemos isso. Não se criou no Brasil uma massa critica capaz de exigir desses meios de comunicação mais diversidade, mais pluralidade e um nível cultural mais elevado.
Como o senhor está acompanhando a implantação da lei de meios da Argentina? Esse mecanismo está contribuindo para democratizar a comunicação no país? Havia muitas criticas dizendo de que se tratava apenas de uma briga pessoal dos Kirchner com o Clarín.
A luta desenvolvida na Argentina pela democratização da comunicação e por uma lei de meios é anterior aos governos Kirchner, já vinha sendo discutida e impulsionada por outros governos e em outros setores da sociedade, principalmente acadêmicos, com muita desenvoltura. O governo Kirchner, principalmente o governo da Cristina, impulsionou com mais força esse tipo de debate. Foi um debate muito árduo porque o Clarín, que é o mais afetado pela lei por causa do monopólio que exercia, usou de todos os procedimentos políticos e jurídicos possíveis para impedir que a medida fosse aprovada. A lei foi aprovada há quatro anos e o Clarín conseguiu segurar por mais quatro anos a votação de quatro artigos que diziam respeito à questão do monopólio. Os outros 162 artigos foram aprovados e foram colocados em prática há quatro anos e já mudaram o panorama audiovisual na Argentina. A Ley de Medios deu voz a comunidades indígenas que nunca podiam ter sua voz ouvida pelo rádio ou pela televisão. Hoje há uma emissora de televisão falando em Mapuche em Bariloche. Houve uma proliferação enorme de emissoras universitárias e educativas. Houve um aumento significativo da produção independente, já que a lei exige que existam cotas para produção independente ser veiculada nos meios audiovisuais. A Ley de Medios mudou o panorama argentino. Agora mais recentemente que está se colocando em prática a divisão dos meios que estavam controlados de maneira oligopolista ou monopolista pelo Clarín.
Como o senhor vê a possibilidade de os movimentos sociais conseguirem protocolar como projeto de iniciativa popular a chamada Lei da Mídia Democrática, cujas assinaturas estão sendo recolhidas pelo Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC)?
Está avançando e é importante, porque dá sequência a um debate na sociedade que teve o maior avanço de todos os tempos com a realização da Confecom, a Conferencia Nacional da Comunicação, em 2009. Pela primeira vez, grupos que nunca tinham discutido comunicação foram para esse debate. Foi um processo de politização em relação ao tema. Acho que essa coleta de assinaturas está no mesmo caminho e dá continuidade ao que a Confecon fez. A expectativa é que se consiga as assinaturas e se jogue isso no Congresso Nacional. Já que as 19 tentativas anteriores não avançaram, não saíram do Palácio do Planalto e não chegaram ao Congresso, eu espero que essa, que sai da sociedade, chegue ao Congresso. É importante chegar ao Congresso para que lá seja debatido e a gente possa saber quem é quem lá dentro em relação a esse tema.
Do ponto de vista regional, como o senhor avalia a criação – ou as tentativas de – dos conselhos estaduais de comunicação?
A criação de um conselho de comunicação, por mais tímido que venha a ser, já é uma arena de debates que não interessa aos que controlam a comunicação no Brasil. Eles colocam todos os obstáculos para evitar que esses conselhos se constituam e quando eles se constituem, colocam obstáculos nas suas formas de atuação. A começar pelo Conselho Nacional de Comunicação, que é um órgão que está na Constituição e que levou mais de uma década para ser instalado. Depois de instalado, ficou mais quatro ou cinco anos inativo. Quando começa a funcionar, é ocupado pelos interesses dos empresários da comunicação e não pelos interesses da sociedade. Isso ocorre também regionalmente. Até agora, apenas o conselho da Bahia foi implantado e tem muita dificuldade de atuar exatamente por causa dessas pressões que existem por parte daqueles que não querem que ele atue. No Rio grande do Sul, existe a tentativa do governo Tarso de criar o conselho, que até hoje não foi votado na Assembleia. Isso revela claramente o que é o poder midiático no Brasil e como é que ele interfere no funcionamento das instituições, impedindo qualquer tipo de avanço democrático nessa e outras áreas que ele têm interesse.
Como o senhor avalia o desenvolvimento do modelo público de radiodifusão no Brasil, através da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)?
Para democratizar a comunicação é preciso caminhar por duas estradas paralelas: uma é através da legislação, a outra é através de um sistema público que possa servir de contraponto ao sistema comercial. Se dividirmos o espectro em privado, público, e público sem fins lucrativos, temos que dotar esse espaço público de condições pra que ele seja realmente uma alternativa ao modelo comercial, para que o cidadão em casa possa exercer o seu direito de escolha. A alternativa pública tem que ser fortalecida para que chegue ao cidadão com as mesmas condições tecnológicas, de qualidade e de conteúdo capazes de fazer este contraponto. E disso se ressente a TV pública brasileira, porque embora tenham havido investimentos razoáveis na produção de seus programas e conteúdos, ela ainda está longe de chegar à população brasileira da mesma forma que chegam os meios comerciais.
Em que sentido?
Todo cidadão que paga pelo serviço público através dos seus impostos tem direito ao acesso a esse serviço e tem que ter direito a esse acesso de uma forma tão fácil quanto ele tem acesso aos meios privados. Só que você vai em muitas regiões do Brasil e o acesso à Globo ou a Record é facílimo, agora o acesso a TV Brasil é dificílimo. Em São Paulo só existe acesso à TV Brasil através do cabo, da TV por assinatura ou da TV digital. Se a Globo em São Paulo está no canal 5, a TV Brasil tem que estar no 7, para democratizar a escolha. O fato de a TV Brasil não entrar com facilidade em São Paulo pode ser comparado a uma excrescência que seria a BBC não entrar em Londres. A TV pública tem que ter programações e canais capazes de atender às expectativas culturais diversificadas que existem na sociedade brasileira. É fundamental que além deste canal de fácil acesso a gente tenha outros canais capazes de ter noticiário 24h. O brasileiro não pode ficar refém da Globo News, que tem uma pauta ideológica muito precisa. Essa ideia de abrangência deveria contemplar também um canal infantil. Não é possível que a população brasileira tenha que pagar para as crianças assistirem um Discovery Kids ou um Cartoon.
Como o senhor avalia a consolidação do caráter efetivamente público – não governamental – da EBC?
A gente caracteriza se uma emissora é mais ou menos pública a partir do distanciamento que ela tem dos governos. Todas as emissoras chamadas públicas são de titularidade do Estado, elas não pairam no ar. Alguém tem que ser o responsável, se não é o empresário, se não é a empresa comercial, qual o outro ente que é responsável por elas? É o Estado. O que vai tornar essas emissoras menos estatais e mais públicas são os mecanismos que existem no seu interior para afastar o seu controle do Estado. Nesse sentido, a BBC está bem mais distancia do Estado do que a EBC brasileira, mas ainda assim ela se reporta ao Parlamento e ao Ministério da Cultura e da Comunicação da Inglaterra. O que precisamos é fazer com que a EBC gradativamente vá se distanciando desses controles estatais mais rígidos, criando mecanismos capazes de torná-la mais pública, tanto na área do controle administrativo de conteúdo como na questão do financiamento. Uma questão que precisa ser enfrentada é a dotação orçamentária, que deve ser desvinculada dos orçamentos da União. Hoje a EBC tem um conselho curador que consegue ser bastante independente em relação ao governo, embora os conselheiros sejam nomeados pela presidenta da República. Mesmo assim, esse conselho consegue em determinados momentos estabelecer certos limites quanto à presença governamental. Não tem havido casos de ingerência do governo federal sobre a EBC desde a sua fundação, o que não garante que amanhã ele não interfira, porque não há mecanismos que inibam isso.
Existe, na América Latina, o modelo plurinacional da Telesur. Como o senhor avalia essa cadeia de emissoras?
Com muito otimismo. Apesar de ser governamental, com forte presença dos governos dos países que a compõe, a Telesur tem sido para a América Latina um excelente contraponto à CNN. Ela tem, inclusive, uma estrutura de informação semelhante às grandes redes de informação transnacionais e consegue ser uma alternativa de qualidade. Eu só lamento a dificuldade que a gente tem de acesso à Telesur no Brasil. Ela consegue ter para a América Latina uma pauta bastante diferenciada em relação a todas as outras agências e canais de noticia. A Telesur faz na América Latina aquilo que eu gostaria muito que a TV Brasil fizesse com um canal de noticiais dentro do Brasil. É uma grande alternativa às redes comerciais existentes, particularmente a CNN. E a nossa expectativa é que a TV Brasil, por exemplo, estabelecesse mecanismos de parceria com a Telesur mais eficientes, capazes de trazer o sinal e esse conteúdo alternativo para o nosso país.
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