Publicado em 27/12/2014
Fiori: Cuba, os EUA e
o novo canal da Nicarágua
Chega de Economia – é a Geografia, estúpido – PHA
O
Conversa Afiada reproduz texto de José Luís Fiori, extraído da
Carta Maior:
A reaproximação entre Cuba e os EUA
contém um paradoxo e uma lição geopolítica, sobretudo para os países
que se propõem subir na escada internacional do poder.
“O Brasil terá que descobrir um
novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional,
dentro e fora de sua zona de influência imediata. Um caminho que não
siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize
a mesma arrogância e a mesma violência que utilizaram os europeus e os
norte-americanos para conquistar suas colônias e protetorados”
J.L.Fiori, “História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora Boitempo, SP, 2014, p: 279
A geografia teve um papel decisivo
na formação e no desenvolvimento político e econômico da América do
Sul. Por um lado, ela permitiu e estimulou a formação de um região
geopolítica e geoeconômica plana, homogênea, de alta fertilidade e de
crescimento econômico quase contínuo na Bacia do Prata; mas, ao mesmo
tempo, ela impediu que os países e a economia do Prata – incluindo o
Brasil – se expandissem na direção da Amazônia, do Caribe e do Pacífico.
No caso do Brasil, em particular, a
topografia do seu território atrasou a sua própria interiorização
demográfica e econômica, e enviesou os seus processos de urbanização,
crescimento e internacionalização, na direção do Atlântico. A Floresta
Amazônica, com suas planícies tropicas de baixa fertilidade e alto custo
de exploração, dificultou a sua própria ocupação, e bloqueou o caminho
do Brasil na direção da Venezuela, Guiana, Suriname, e Mar do Caribe. O
Pantanal e o Chaco boliviano, com suas montanhas e florestas tropicais
limitaram a presença do Brasil nos territórios entre a Guiana e a
Bolívia; e a Cordilheira dos Andes, com seus 8 mil km de extensão e
6.900 metros de altitude, obstruiu o acesso do Brasil ao Chile e ao
Peru, e o que é ainda mais importante, ao Oceano Pacífico com todas as
suas conexões asiáticas.
Esta geografia extremamente difícil
explica a existência de enormes espaços vazios dentro do território
brasileiro e nas suas zonas fronteiriças, e sua escassa relação
econômica com seus vizinhos, durante quase todo o século XX, quando o
Brasil não conseguiu – nem mesmo – estabelecer um sistema eficiente de
comunicação e integração bioceânica, como aconteceu com os Estados
Unidos, já na segunda metade do século XIX, depois da sua conquista da
Califórnia e do Oregon, que se transformou num passo decisivo do seu
desenvolvimento econômico, e da projeção do poder global dos Estados
Unidos.
Todas estas barreiras e
dificuldades geográficas, entretanto, adquiriram uma nova dimensão e
gravidade, no início do século XXI, graças: i) a transformação da
China, do sudeste asiático, e da Bacia do Pacífico, no espaço mais
dinâmico da economia mundial; ii) sua transformação simultânea, e no
tabuleiro geopolítico mais relevante para o futuro do sistema mundial no
transcurso do século XXI; iii) a consequente, “chegada’ econômica da
China ao continente sul-americano, e ao Caribe e América Central,
sobretudo depois do anúncio da construção do novo Canal Interoceânico da
Nicarágua, financiado e construído pelos chineses, a um custo previsto
de 40 bilhões de dólares; iv) a consequente revalorização geopolítica e
geoeconômica do Caribe e da América do Sul, como tabuleiros
relevantes da competição global entre os Estados Unidos e a China, e da
competição regional destes dois países, com o Brasil.
Esta nova situação obriga o Brasil a
redefinir ´inevitavelmente - sua estratégia, e o cálculo de custos do
seu próprio projeto de integração regional, incluindo a ocupação dos
“espaços vazios” da América do Sul, e da “conquista” do seu acesso ao
Oceano Pacífico e ao Mar do Caribe. Este tem que ser o ponto de partida
do debate sobre a Unasul e o Mercosul, e sobre o fortalecimento da
soberania política e econômica do continente, incluindo, como é óbvio,
os países sul-americanos da Aliança do Pacífico. Mas este ponto é
esquecido em geral pelos analistas, e é substituído por uma discussão
sem fim sobre a “lucratividade” comercial ou financeira, do projeto e do
processo da integração continental. Estes analistas não entendem ou não
querem aceitar que se trata de um objetivo e de um processo que não
pode ser avaliado apenas pelos seus resultados econômicos, porque
envolve um jogo geopolítico e geoeconômico muito mais complexo e global.
Desta perspectiva, o recente
reatamento das relações diplomáticas dos EUA com Cuba, explicita e
aprofunda esta disputa pela supremacia regional. Foi uma vitória
política indiscutível de Cuba e da América Latina, e também, do
“internacionalismo liberal” de Barack Obama, que luta para sobreviver ao
seu atropelamento pelo ultraconservadorismo dos republicanos, e de
muitos dos seus próprios partidários democratas. Mas ao mesmo tempo,
esta reaproximação é inseparável da expansão econômica chinesa no Caribe
e na América Central, e do anúncio do novo “Canal da Nicarágua”, com
278 km de extensão, bem maior e mais complexo do que o Canal do Panamá, e
com a obra programada para começar em dezembro de 2014. Uma disputa que
começa no Mar do Caribe, mas se projeta e prolonga na luta pela
liderança política, econômica e estratégica da América do Sul.
Neste sentido, a reaproximação
entre Cuba e os EUA contém um paradoxo e uma lição geopolítica,
sobretudo para os países que se propõem subir na escada internacional do
poder e da riqueza: uma vitória parcial, em qualquer tabuleiro do
sistema provoca sempre o aparecimento de um novo desafio estratégico
ainda mais complexo do que o anterior. Neste caso, foi uma vitória dos
“povos latinos” e de certa maneira, da própria política externa
brasileira, mas esta mesma vitória aumenta a urgência do Brasil abrir
seus canais de comunicação e transporte com o Mar do Caribe e com a
Bacia do Pacífico, a qualquer preço, e por mais criticada que seja a
rentabilidade econômica imediata do projeto.
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