quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Breve introdução sobre a questão israelo-palestina (as origens do conflito e uma palavra sobre a imprensa)



Por: Salim Schnitzler (Lorenzo Dumas)
Com a ofensiva israelense sobre a Faixa de Gaza, os noticiários bombardeiam os leitores, telespectadores e ouvintes que buscam informações sobre assunto. A complexidade da geopolítica no Oriente Médio tem sido, ao longo destes últimos tempos, intensamente dissecada pelos meios de comunicação que, em sua maioria, não apenas divulgam notícias sem o contexto necessário para o entendimento do processo histórico da região, como se valem de uma tendenciosidade dotada de pouco fundamento para redigir os seus textos, editar as suas matérias e tecer os seus comentários.
Articulistas de renome, especialistas em relações internacionais, e pseudo-intelectuais em geral, na ânsia de expressar a veemência das suas opiniões, relegam a segundo plano o estudo aprofundado da questão e vão para o campo de batalha ideológico se assemelhando mais a fundamentalistas jihadistas ou a sionistas radicais do que a jornalistas interessados pela verdade dos acontecimentos. A importância de buscar a imparcialidade foi trocada pela opinião jornalística ordinária, pela adoração do imediatismo da tragédia transmitida por diversos ângulos, pela banalização da notícia que tem como prioridade chocar, entreter ou convencer o leitor ou telespectador ao invés de informa-lo.
Os jornalistas trocaram a análise fria dos fatos na questão israelo-palestina pela guerra santa da opinião. Deixaram o bloco de notas característico da profissão de lado para carregar a bandeira árabe ou judaica. Sem nunca terem colocado os pés na região onde se dá o conflito, a maioria desses comunicadores inverteram os papeis e, de jornalistas, transmutaram-se em juízes implacáveis daquilo que nunca vivenciaram; esquizofrênicos diplomados que se tornaram, fazem dos meios de comunicação púlpitos onde os seus sermões defendem os interesses dessa ou daquela comunidade a despeito dos fatos que se colocam em contraponto a cada uma das certezas parciais por eles expressadas. Uns defendem Israel, afirmando ser anti-semita qualquer opinião contrária. Outros enaltecem a Palestina e criminalizam Israel sem levar em conta o Hamas. Os que ficam em cima do muro o fazem mais por covardia do que por prudência, já que não estão interessados em investigar as razões históricas que levaram esses dois povos a esse ponto do conflito. São raras as exceções. O jornalista Guga Chacra é uma delas.
Como se pode condenar Israel pelo bloqueio econômico e comercial na Faixa de Gaza, sem mencionar o estatuto do Hamas, um movimento fundamentalista islâmico, de orientação sunita, considerado terrorista por diversos países, que está no controle da faixa de Gaza e que tem como princípio fundamental a extinção de Israel? Por outro lado, como criticar os foguetes do Hamas contra Israel, sem mencionar esse bloqueio israelense à faixa de Gaza que deixa 1 milhão e 700 mil palestinos confinados em um território de 41 km de comprimento e 12 de largura, estimulando a aceitação dos palestinos a grupos radicais como o Hamas e alimentando o ódio das gerações árabes mais jovens contra os próprios judeus? Como se pode considerar justa a resposta israelense aos mísseis lançados pelo Hamas, se tudo o que o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, faz é cair na estratégia do grupo islâmico radical que, ciente de que não pode vencer o poderio militar insraelense, tem como objetivo destruir a imagem de Israel frente à comunidade internacional? E como dizer que os palestinos são vítimas sem citar a estratégia do Hamas que se valendo da notória incompetência do governo Netanyahu, atrai a ofensiva israelense para o seu solo utilizando as mortes de centenas de palestinos como meio de propaganda para fortalecer a sua organização?
Afinal, de onde surgiu o conflito entre Israel e Palestina?
Para um melhor entendimento por parte do leitor, voltemos três séculos no tempo, para o ano de 1789, quando a Revolução Francesa eclodiu com o lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Um dos primeiros atos da Revolução foi formar a Assembleia Nacional Constituinte que teve como uma de suas primeiras medidas a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estabelecendo o princípio de que todos os homens nascem iguais e permanecem livres, com direitos iguais. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, além de ter reduzido a diferença entre classes, representou um grande avanço para as minorias religiosas que sofriam com leis cada vez mais restritivas. No caso específico dos judeus, é no ano de 1791 que a Assembleia Nacional Francesa os concede direitos plenos de cidadania. Era o princípio da emancipação judaica.
Embora assegurasse a igualdade civil perante a lei, a emancipação judaica só chegou nos demais países do bloco europeu em meados do século 19 (no Reino Unido em 1858, na Itália em 1861, na Alemanha em 1871) o que originou uma grande imigração de judeus que fugiam dos massacres no sul da Rússia, entre 1881 e 1884, para o oeste europeu. Como resultado desse êxodo judaico somada à toda carga histórica vivida por esse povo até então, se consolida, em 1896, um movimento político ideológico, que exalta o nacionalismo judaico e defende a criação de um Estado judeu onde o Reino de Israel existira uma vez (na Palestina). Era o nascimento do sionismo. Germinava ali, nas entranhas do século 19, entre a emancipação e a iminência do próximo massacre, a semente do Estado de Israel.

''Lar Nacional Judeu''
No século 20, mais especificamente na reta final da Primeira Guerra Mundial, Lord Balfour, ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, assinou, em novembro de 1917, a Declaração Balfour, onde apoiava o estabelecimento de um ‘’Lar Nacional Judeu’’ na Palestina caso a Inglaterra conseguisse derrotar o Império Otomano (os turcos) que ocupava a região. A declaração foi primeiramente enviada ao banqueiro líder da comunidade judaica do Reino Unido, o Barão de Rothschild, para então ser dirigida à Federação Sionista da Grã-Bretanha, a qual Rothschild era presidente. Ao mesmo tempo em que prometiam aos judeus um lar nacional na Palestina, o que aumentou a imigração judaica para a Terra Santa (patrocinada em parte por Rothschild), os ingleses prometiam aos árabes palestinos independência em troca de apoio para expulsar os turcos da região. Ou seja: a mesma terra era prometida aos dois povos.


Em 1923, com a dissolução do Império Otomano, a Palestina passa a ser administrada pela Inglaterra. Era o período do Sistema de Mandato da Liga das Nações (antiga ONU). A imigração judaica em massa resultante da política sionista e da incompetência dos britânicos, gerou, na década de 20, uma série de conflitos entre os recém chegados judeus e os árabes que haviam acabado de lutar pela sua independência. Os britânicos conseguiram expulsar os turcos da região, mas não sabiam como proceder no novo conflito que se iniciava. As revoltas de Nebi Musa em 1920, de Jaffa em 1921 e o massacre de Hebron em 1929 foram os conflitos mais marcantes da época. Na década seguinte, em 1936, a Revolta Árabe explodiu em sua luta contra o colonialismo britânico e a imigração judaica, ocasionando a morte, o exílio ou a prisão de mais de dez por cento da população adulta masculina árabe palestina entre 20 e 60 anos.
O Estado de Israel
No ano de 1947, o pós Segunda Guerra Mundial amargava o extermínio de 6 milhões de judeus pelas forças nazistas quando a ONU aprovou o plano de partilha da Palestina. Hitler e companhia não poderiam imaginar que o horror do holocausto seria a peça definitiva para que a política internacional cedesse à pressão sionista para que o Estado judeu fosse criado. Em 1948, a criação do Estado de Israel foi oficialmente instituída e o território palestino foi dividido em dois Estados: um judeu e outro árabe. A concepção moderna do direito do povo judeu a uma terra própria foi orquestrada pelos sionistas que historicamente colocam um fim na diáspora judaica (no hebraico ‘’dispersão’’). Sionistas e judeus ortodoxos divergem sobre o entendimento acerca da diáspora judaica. Ao contrário dos sionistas, os ortodoxos se baseiam na Lei Judaica que diz que os judeus foram exilados da Terra Santa por vontade divina, sendo indispensável a chegada do messias para que o retorno possa acontecer. 




Em consequência da divisão da Palestina em dois Estados estabelecida pela comunidade internacional, centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas terras para países vizinhos. O que se consolida durante as décadas seguintes é o ódio entre árabes e judeus que promove, até os dias de hoje, um constante estado de barbárie. Em 1948 acontece a Primeira Guerra Árabe-Israelense. Em 1956 a guerra é entre o Egito e Israel; em 1967, a Guerra dos Seis Dias; em 1973 a Guerra do Yom Kippur; em 1982, Israel invade o Líbano, durante a guerra civil entre cristãos e mulçumanos, para combater a OLP (Organização para a Libertação da Palestina, que tinha como objetivo, naquele momento histórico, a aniquilação do Estado de Israel); em 1987 ocorre a primeira Intifada (‘’Revolta Popular’’) na Faixa de Gaza, onde a população civil palestina foi às ruas protestar contra a ocupação de Israel em Gaza.

Acordo de paz frustrado
Na década de 90, o clima de guerra é interrompido por uma força conjunta da diplomacia internacional liderada pelos Estados Unidos. Sob o comando do presidente americano Bill Clinton, o líder palestino Yasser Arafat e o primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin, avançaram nos acordos de paz, chegando a firmar, em 1993, o Acordo de Oslo, em Washington, que previa a criação de uma Autoridade Nacional Palestina, com autonomia administrativa em alguns pontos do território palestino, assim como a retirada progressiva das forças israelenses da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Em troca, a OLP reconheceria o Estado de Israel, renunciando formalmente ao terrorismo.


O mundo foi surpreendido pela notícia, pois a negociação do acordo se deu secretamente na Noruega durante vários meses entre israelenses e palestinos. Ao selar o acordo nos jardins da Casa Branca, Rabin, que havia sido o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas na Guerra dos Seis Dias, quando Israel conquistou a faixa de Gaza e a Cisjordânia, apertou a mão de Arafat. Apesar dos avanços concretos nas negociações, em 1995 Yitzhak Rabin é assassinado com três tiros por um extremista judeu de 27 anos, abrindo caminho para o ferrenho opositor a um acordo de paz entre árabes e judeus: o atual primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu. (Netanyahu liderou diversos protestos contra o governo de Rabin que buscava uma solução pacífica para a questão da Palestina).
Conclusão
A par dos acontecimentos básicos que compõem o contexto da questão israelo-palestina, os quais são ignorados pela grande imprensa, cabe ao leitor chegar à sua própria conclusão. Aquele que vos escreve, no intuito de contribuir para o esclarecimento do tema, evidentemente, não nega o caráter atroz e doentio do Hamas. Porém, nega ainda menos a infeliz constatação pessoal de que a crença em Deus ao invés de elevar o espírito humano, o torna capaz de se transformar em uma besta fanática. Com toda a informação hoje disponível sobre o assunto, não posso deixar de reconhecer, em um primeiro plano, as diferenças entre judaísmo e sionismo, e em um segundo plano, questionar a maneira pela qual a criação do Estado de Israel se deu. Os árabes palestinos já estavam lá. Viviam na terra que os pertencia por direito, lutaram pela sua independência e coexistiam em relativa paz com a comunidade judaica que lá também vivia.

Me pergunto, assim como Mahatma Gandhi se perguntou em uma carta publicada em 26 de novembro de 1938: ''Por que não deveriam eles (os judeus), como os outros povos do planeta, viver no país onde nasceram e fazer dele o seu lar?''. Agora é tarde para a pergunta, mas talvez não tão tarde para que ambos os lados compreendam que não é Deus, nem as escrituras, nem a pretensão da raça escolhida e nem o paraíso repleto de virgens para terroristas, mas a bondade e a compaixão pelo próximo, o verdadeiro horizonte que deve nortear o ser humano em seu caminho sagrado por este mundo. 

Um comentário:

  1. Afinal, de onde surgiu o conflito entre Israel e Palestina?
    Para um melhor entendimento por parte do leitor, voltemos três séculos no tempo, para o ano de 1789, quando a Revolução Francesa eclodiu com o lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Um dos primeiros atos da Revolução foi formar a Assembleia Nacional Constituinte que teve como uma de suas primeiras medidas a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estabelecendo o princípio de que todos os homens nascem iguais e permanecem livres, com direitos iguais. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, além de ter reduzido a diferença entre classes, representou um grande avanço para as minorias religiosas que sofriam com leis cada vez mais restritivas. No caso específico dos judeus, é no ano de 1791 que a Assembleia Nacional Francesa os concede direitos plenos de cidadania. Era o princípio da emancipação judaica.
    Embora assegurasse a igualdade civil perante a lei, a emancipação judaica só chegou nos demais países do bloco europeu em meados do século 19 (no Reino Unido em 1858, na Itália em 1861, na Alemanha em 1871) o que originou uma grande imigração de judeus que fugiam dos massacres no sul da Rússia, entre 1881 e 1884, para o oeste europeu. Como resultado desse êxodo judaico somada à toda carga histórica vivida por esse povo até então, se consolida, em 1896, um movimento político ideológico, que exalta o nacionalismo judaico e defende a criação de um Estado judeu onde o Reino de Israel existira uma vez (na Palestina). Era o nascimento do sionismo. Germinava ali, nas entranhas do século 19, entre a emancipação e a iminência do próximo massacre, a semente do Estado de Israel.

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