quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

“Este ataque horrível quer dividir-nos. Não vamos cair nessa armadilha”



Era o ataque que a França há muito temia, mas não seria fácil de adivinhar o alvo. Dois homens armados entraram a disparar na redacção do jornal Charlie Hebdo, em Paris, matando 12 pessoas, incluindo oito jornalistas do semanário satírico – o seu director, conhecido como Charb, mas também Wolinski, Cabu, Tignous, fundadores da publicação e cartoonistas que inspiraram gerações.
Os atacantes, caras tapadas e armas automáticas, entraram durante a reunião semanal da redacção. Há vídeos gravados por jornalistas onde se ouvem os dois homens gritar Allahu Akbar (Deus é grande) quando saem do edifício, antes de um disparar contra um polícia. “Vingámos o Profeta Maomé! Matámos o Charlie Hebdo!”, grita um deles em seguida, antes de entrarem no carro em que fugiram.
Ao final da noite, o Ministério do Interior confirmava que os dois homens gravados e um terceiro suspeito tinham sido identificados mas permaneciam em fuga. Milhares de polícias estavam envolvidos na perseguição e os níveis de alerta continuam no máximo em redor de jornais e locais de culto. Às 23h20 desta quarta-feira os media franceses noticiavam que estava em curso uma operação de uma unidade de elite da polícia para deter os suspeitos em Reims, no Nordeste de França, a 130 quilómetros de Paris.
Nenhum grupo reivindicou o ataque, embora muitos apoiantes dos jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico o tenham celebrado ao longo do dia nas redes sociais.
A França sabe que cerca de mil dos seus cidadãos partiram para a jihad na Síria e no Iraque, onde estes radicais controlam províncias inteiras, e estima que 200 tenham regressado a casa. Nos últimos 18 meses a polícia secreta francesa diz ter travado cinco atentados. E em Maio do ano passado, foi detido em Marselha Medhi Nemmouche, francês de 29 anos acusado do ataque que uns dias antes matara dois israelitas e um francês no Museu Judaico de Bruxelas. Nemmouche tinha passado um ano a combater na Síria.
O alvo poderia não ser o mais óbvio, mas não foi fortuito. Em 2006, o jornal republicou os polémicos cartoons de Maomé, inicialmente publicados na Dinamarca, e em 2011 viu a sua sede atacada antes da chegada às bancas de uma edição “dirigida” pelo Profeta e intitulada Charia Hebdo, numa óbvia referência à lei islâmica (sharia). Desde então, havia sempre um polícia à porta da redacção e alguns cartoonistas estavam sob protecção policial.
Fundamentalistas e ditadores não gostam de humor, como bem sabem os cartoonistas mortos e desaparecidos na Síria ou no Paquistão; presos e julgados no Egipto ou na Tunísia.
Eu sou Charlie
De todo o mundo – político e religioso – chegaram condenações e palavras de solidariedade. “Este crime obriga-nos a fazer a França juntos. Obriga-nos a ultrapassar as nossas diferenças de opinião e a sublinhar, juntos, o que nos une. Não deixemos que estes bárbaros matem a fraternidade que existe entre nós. Vamos persegui-los onde for necessário, porque a França vai mostrar-se mais forte do que estes dois fanáticos que quiseram rebaixar os franceses”, escreveu no Libération o antigo imã de Marselha, Haidari Nassurdine.
A maioria dos líderes políticos fez apelos à unidade. “Nestes momentos, é preciso juntarmo-nos, mostrar que somos um país unido, que sabemos reagir da melhor maneira, com firmeza, mas com a união nacional nas nossas preocupações”, disse o Presidente, François Hollande, quando se deslocou, ainda de manhã, à rua do bairro XXI onde fica a redacção do jornal. “A República deve unir-se”, reagiu o ex-Presidente de direita, Nicolas Sarkozy.
Nas ruas, os franceses fizeram isso mesmo. Manifestações espontâneas juntaram 100 mil em Paris e por todo o país e concentrações semelhantes aconteceram na Espanha, Bélgica, Reino Unido, Holanda, Áustria, Estados Unidos. “Eu sou Charlie”, leu-se em cartazes por todas as partes.
Em Roma, o primeiro-ministro, Matteo Renzi, juntou-se a uma manifestação diante da embaixada de França. “Somos todos franceses, porque pensamos que a liberdade é a única razão de ser da Europa e dos cidadãos europeus”, afirmou.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, condenou um “ataque terrorista terrível”. “Este ataque horrível quer dividir-nos. Não vamos cair nessa armadilha.”
Espiral de violência
Um aviso com sentido e destinatários. “Isto é guerra”, escreveu na sua página de Twitter o populista anti-islão holandês Geert Wilders. Da Alemanha, o novo movimento anti-imigração, que visa sobretudo os muçulmanos, não deixou de usar o ataque contra o Charlie Hebdo para sublinhar a sua razão de ser. “Os islamistas, contra os quais o Pegida (Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente) tem avisado nas últimas 12 semanas, mostraram em França que não são capazes de praticar e democracia mas vêem a morte e a violência como solução”, escreveu o grupo na sua página de Facebook. “Os nossos líderes políticos querem convencer-nos do contrário. É preciso que uma tragédia destas aconteça na Alemanha?”.

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